Todos dizem que vida de mulher é
difícil, cheia de obstáculos. Será?
Não vou aqui cometer o absurdo de
dizer que não existe violência contra a mulher (embora
numericamente acredito que haja muito mais violência contra o homem, mas o que
conta aqui são fatores não-numéricos) ou que em algumas
circunstâncias não haja discriminação. Mas será que realmente o cão
é tão feio como pintam? Ou será que são ecos de um movimento
feminista hoje decrépito? Também não irei advogar que as mulheres
não recebam o máximo de atenção, respeito e carinho. Afinal, elas
são, para nós homens, a melhor parte da Criação, que nos motivam
a maior parte do tempo a fazer as coisas mais inteligentes e também
as mais idiotas. Mas o quero mostrar aqui é uma visão um pouco mais
perspicaz do tratamento que os homens recebem em detrimento delas.
Primeiro, porque o homem tem que fazer
e ser tudo em um relacionamento?1 Na grande maioria dos
casos o homem tem que cortejar, convidar para sair, escolher o lugar,
fazer a programação, ir buscar, ir levar, ser atencioso, demonstrar
confiança, etc. Tem que ser divertido, tem que ser amável,
criativo, inteligente, interessante, bem arrumado (entenda-se: roupas
e perfumes caros), bem-sucedido, saber dançar, ser aventureiro, ser
romântico, ser desinibido, ser um maratonista sexual, etc. Já sei
que a resposta da querida leitora é: “Claro! Já estamos dando o
privilégio de ele sair conosco, tem que ser nessas condições!”.
Será? Tudo bem, mas qual a contrapartida disso? Será que apenas o
fator “ser mulher” basta?2
Em Contabilidade há um método de
escrituração (registro) chamado método das partilhas dobradas,
onde, para cada lançamento de débito/crédito, há um outro
correspondente (de igual valor) de crédito/débito. Pois bem, o
homem se esfalfa para conquistar uma mulher, mas em compensação o
que a mulher oferece? A pergunta parece óbvia, mas pode esconder um
revés para você, leitora. Em situações normais o homem escolhe
uma mulher por sua beleza, unicamente. Natural. Você está em uma
festa com várias pessoas, qual critério você deve usar para se
aproximar de outra? O único plausível é a aparência física. Pois
bem. O homem consegue descolar uma garota, sai com ela. Pra isso ele
fez um grande número de malabarismos (inclusive se passando por
coisas que não é, mas que a cartilha prega como necessário) e
finalmente ganha o coração dela. Pergunto eu: o que ela ofereceu
até então? Só a beleza? Apenas sexo? Ele a conquistou, mas essa é
toda a história? Será que ela também não tem que ser inteligente,
divertida, independente? Será que é válido premiar o homem apenas
com a beleza (e às vezes o sexo)?
Se for assim, então estamos abrindo
precedentes para: 1) determinar a beleza como modus operandi
dos relacionamentos; 2) concordar que o homem parta para outro
relacionamento tão logo a beleza acabe (ou encontre outra); 3)
facilitar ao homem engatar um relacionamento com a primeira pessoa
mais interessante que encontrar. Embora você possa não concordar
(e obviamente isso não se aplica a todos os casos, apenas aos
clássicos – homem vê uma mulher bonita, chama pra sair, engatam
um romance), esse cenário é bastante comum. Não parece muito
sábio confiar a integridade de um relacionamento apenas à
moral masculina de não trair. O homem bem-sucedido, independente,
com carrão (e nem venha me dizer que isso não é atrativo porque
definitivamente esse é o atrativo por excelência), formado,
viajado, gastou bastante de seu tempo para chegar até essa condição,
e parece antagônico estar com alguém que tenha tão pouco a
oferecer em contrapartida (nos vários casos em que a mulher nem ao
menos tem faculdade ou nunca trabalhou, e não se interessa nem por
um nem por outro).
Entendo que no reino animal o macho
quase sempre é maior, mais vistoso, tem habilidades (como no caso
das aves canoras, onde apenas o macho canta, ou os sapos-machos que
coaxam), mas se usarmos esse pretexto para justificar nossas
relações, devemos nos preparar também para jogar fora milhares de
anos de civilização e avanços que nos distinguem dos animais.
Devemos também aceitar que seja natural entregarmo-nos aos instintos
primitivos de vingança e
perversidade.
Não sou niilista ao ponto de propor
uma nova forma de cortejamento. Apenas seria aprazível se os homens
saíssem com pessoas do sexo oposto na expectativa de se
divertirem com alguém legal – atraente não só na aparência, mas
como um todo –, e não apenas na expectativa de não falharem no
encontro por não serem perfeitos.
1 Apenas para ilustrar, no
livro As Aventuras de Tom Sawyer, de Mark Twain, o protagonista vê
uma garota loira de olhos azuis e põe-se a desfilar todas as suas
habilidades para conquistá-la: andar de ponta-cabeça, desenhar, etc., ao
passo que a menina não sabe fazer nada além de sorrir.
2 Longe de mim afirmar que
esse fator valha pouco. Apenas questiono se ele é tudo.
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