O recente desmascaramento de grupos criminosos formados por jovens de classe média serve para desfazer o mito injusto de que apenas os pobres cometem crimes.
“Fica evidente que a motivação não
é a desigualdade social, mas a falta de valores morais”. A
declaração, proferida por uma socióloga, refere-se ao recente
desbaratamento de gangues formadas por playboys
cujo objetivo era financiar baladas com o fruto de assaltos e
sequestros-relâmpago.
Para quem vê de fora, essa
frase parece uma iluminada
revelação, mas para quem
está inserido no meio, ela não
passa de simples obviedade.
Os
governos têm criado programas sociais a fim de promover
a distribuição de renda, acreditando com isso afastar o risco da
marginalidade nos
lares atendidos por esses
programas. Na lógica deles,
pobreza, pura e simplesmente, gera bandidos. Embora
esses fatores
muitas vezes se superponham, essa relação
não é direta.
Criminosos são
transgressores da ordem, e os motivos de agirem desse modo variam,
mas algo comum a todos eles é
a ausência
de remorso por suas ações, motivada em grande parte pelo fato de
acreditarem
que o que praticam
é aceitável sob seu ponto
de vista. Uma
pessoa que ignora a gravidade de seus atos, mesmo sabendo que são
prejudiciais para
os outros, é desprovida de
qualquer grau de
senso ético. Esse
limite é regulado pelos
princípios morais.
Caso
a pobreza fosse fator determinante para a criminalidade, então todos
os pobres praticariam crimes em algum grau. Mas
isso está longe de ser verdade. Assim como é absolutamente falso
que filhos de famílias abastadas passam longe da marginalidade. Com
efeito, se
tomarmos
como base a Hierarquia de Necessidades de Maslow1,
podemos afirmar que a não
realização das necessidades fisiológicas básicas podem
impelir alguém ao crime, mas apenas no sentido de satisfazer aquela
necessidade. É o caso de alguém que rouba uma fruta na feira a
fim de saciar a fome, não o havendo conseguido de outra maneira.
Não é o caso de alguém que vira chefe de tráfico, o qual busca
essencialmente poder e ostentação. Essa
motivação pode estar presente tanto no dono de boca-de-fumo
no morro quanto nos universitários de classe média que realizam
sequestros.
Negar
que há mais pobres no crime do que ricos seria absurdo. Como dito no
início, a falta de valores morais favorece a criminalidade.
Atualmente, a escassez
desses valores ocorre tanto nas classes menos como nas mais
favorecidas. No entanto, a falta de acesso à educação formal acaba
por prejudicar de certa forma
os menos abastados. Até
pouco tempo atrás, eram raros os casos de assaltantes, época
em que os pais, mesmo os
de baixa renda,
impunham rígidos valores
morais aos filhos. Mas, com o advento de pais jovens
e inexperientes aplicando conceitos
psicológicos duvidosos
de maneira distorcida,
as crianças têm recebido um tipo de educação que deixa muito a
desejar. Desconhecem limites e implicações de seus atos, forjados
na “redoma de amor” dos pais modernos que
lhes
permitem tudo a fim de compensar a ausência devido ao trabalho. Em
lares onde os pais podem financiar o luxo dos filhos, há menos risco
de ele buscar recursos através do
crime – embora o
elevado padrão de vida de
que desfrutam ou almejam possa
incentivá-los a isso –, mas para aqueles que não podem, escolhem
roubar como alternativa, culpando
o sistema (que, sim, tem sua
parcela de culpa) por seu
desvio de conduta , quando na verdade lhes falta força de vontade
para trabalhar arduamente.
Há
muitos pobres honestos que, mesmo não possuindo recursos para
frequentar determinados
ambientes e
adquirir itens de marcas conhecidas, esforçam-se
por manter sua dignidade e caráter. Enquanto
isso, há diversos filhinhos-de-papai que desconhecem os limites da
ética e da convivência em sociedade, cuidando em utilizar
da pior maneira possível o dinheiro dos pais e desperdiçar a
oportunidade que tiveram na vida de serem pessoas de bem. Nascer
em berço de ouro não é garantia de integridade. A parcela de
educação proveniente dos pais ainda é o principal fator em jogo no
que tange à formação de um
bom cidadão.
1Modelo
proposto pelo psicólogo americano Abraham Maslow que dispõe
as necessidades humanas em forma de pirâmide, sendo a base formada
pelas necessidades mais básicas (como fome e sede), seguindo em
gradação até o topo, onde estão as necessidades referentes à
realização pessoal (moralidade,
criatividade, etc.). De
acordo com Maslow, para se
atingir um nível superior de satisfação, deve-se primeiro
realizar as necessidades
do(s) nível(is) anterior(es).