Se os heróis representam os desejos que não somos capazes de realizar, qual seria a melhor representação para nosso povo?
Existe um reality show
bastante popular no Brasil onde os participantes são chamados
de heróis. Algumas pessoas se indignam, outras adoram e outros não
tem nenhuma opinião formada sobre isso. Há algum tempo circulou na
Internet um texto do apresentador desse programa defendendo-se das
críticas sobre esse tratamento dispensado aos “jogadores”
televisivos – quanto esforço por nada!
De fato, não deveriam ser chamadas de
heróis essas pessoas. Heróis são personificações de nossos
anseios, desejos, princípios. São os que incorporam nossos ideiais.
São eles que atuam onde não podemos. Estão além de nossos
limites, por isso gostamos deles. Estão além de nossa mediocridade.
Compartilham dos mesmos sentimentos que nós, mas os levam ao
extremo, a um nível puro. Desse modo, embora os “heróis” da
televisão compartilhem muitas das características da grande maioria
dos brasileiros – falsidade, desonestidade, desrespeito, perjúrio–,
eles ainda não são nossos melhores representantes. Temos heróis de
verdade em quem nos espelhar e admirar: os políticos.
Pode parecer absurda essa declaração,
mas em que nossos políticos diferem de nosso povo? Apenas na ordem
de grandeza dos fatos. Se furamos a fila da xerox, por que eles não
podem passar parentes concursados à frente de outros que estão na
espera? Se ficamos com o troco a mais que percebemos errado, por que
incriminá-los por embolsar verba de obras públicas? Se não
devolvemos livros na biblioteca, por que reclamar quando eles se
beneficiam de verba extra? Se faltamos dias de trabalho
deliberadamente, por que seria injusto quando eles tiram férias de
três meses? Se defendemos nossos filhos quando estão errados e
acusamos seus professores que estão com a razão, acaso seria
absurdo que empreguem seus parentes? Se usamos de mentira com a
consciência tranquila, por que não mentir também nas comissões
parlamentares de inquérito? Se podemos tripudiar sobre classes que
constituem minoria, então por que é errado que eles não sancionem
leis que os beneficiem? É bem verdade o provérbio bíblico: “quem
é fiel no pouco, também é fiel no muito; e quem é injusto no
pouco, também é injusto no muito”.
O político não é alguém que nasce
do nada. Não é um robô fabricado por ocasião das eleições.
Políticos emergem do povo – mesmo os provenientes de família
política. E, sendo do povo, guardam em si as características desse.
Se são injustos, se agem desonestamente, se mentem, roubam ou mandam
matar, tudo isso adquiriram no convívio com a sociedade da qual
fazem parte. Por isso nos identificamos com eles. Se não fosse, por
que motivo então os piores políticos são sempre reeleitos? A
coação para que votemos em determinados políticos é muito baixa
se comparada ao total de eleitores. Mas é comum que a política seja
conduzida por crápulas que nem se dão ao trabalho de usarem
máscaras para encobrir seus desmandos. É comum ouvirmos pessoas falarem que
gostariam de estar na política também, mas não para agir de modo
diferente, mas para obter todas as regalias. Se almejamos algo assim,
então em nada somos diferentes deles. Caso estivéssemos na mesma
posição, faríamos tudo igual. Então, pra que tanto discurso sobre
honestidade?
Concordo que, para o cidadão
consciente que detesta o jogo político do atual cenário, é
bastante difícil encontrar em quem votar. O critério
invariavelmente acaba sendo o de escolher o “menos pior” ou o
pouco suspeito. Essas é a triste verdade, dado que, quem quiser
entrar na política, tem que se submeter as regras sujas dominantes
nessa esfera. É necessário ter um padrinho político que lhe
angarie votos, mas qual a probabilidade de se ter um padrinho
corrupto sem ser também corrupto? Afinal, uma raposa velha só
aceitará um novato se perceber que tirará proveito disso. E é esse
círculo vicioso que arrasta o país sempre para baixo.
Embora haja um princípio de renovo
político, devemos considerá-los como exceção, do mesmo modo que
pessoas justas são exceção na sociedade em geral. Se quisermos uma
verdadeira renovação, devemos começar por nós mesmos, nos
policiarmos no que sabemos ser o certo, construir uma sociedade
melhor em seu alicerce, para que um dia o topo seja um reflexo claro
de um povo minimamente justo. Ainda que seja necessária uma
revolução niilista, mas que seja pautada na indignação
verdadeira, e não na hipocrisia cínica.
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