Li há poucos dias uma reportagem que
falava dos novos talentos brasileiros na área tecnológica (mais
especificamente, a computação). A matéria cita exemplos de
brasileiros de sucesso que estão fazendo fortuna nessa área, dando
a impressão de que essa agora é uma característica de nossos
jovens. No entanto, tais casos de sucesso são exemplificados com
universitários que foram estudar nas colleges
americanas. Ora, traçar o perfil do jovem brasileiro através de uma
minoria que tem condições de estudar fora é o mesmo que dizer que
os brasileiros só vestem roupas de grife. Mas esse não é o
principal aspecto que me chamou a atenção nessa reportagem.
Ao
final da matéria há uma entrevista com alguns jovens talentos do
ramo, com idades variando entre treze e vinte e nove anos. Em dado
momento, os rapazes mais jovens (13 e 16 anos) afirmam que não
pensam em fazer faculdade, pois não há necessidade, são
dispensáveis. Servem apenas para networking.
Para minha felicidade, um dos mais velhos “discorda totalmente”
(em suas próprias palavras) desse pensamento. Essa declaração dos
adolescentes exprime alguns pontos dignos de consideração.
Primeiro, como é
possível falar de algo que não se sabe? Pessoas com treze e
dezesseis anos apenas podem falar do que esperam ser quando crescer e
não ficar dando pitaco sobre o que não tema mínima ideia do que
seja. Por mais inteligentes e brilhantes que possam ser, existe uma
coisa chamada experiência a qual é necessária em muitos aspectos
da vida. É útil para reflexões e tomada de decisões. Apenas com o
acúmulo de conhecimento variado é possível pensar de modo plural e
solucionar determinados problemas. Por mais falhas que hajam em
nossas universidades, ainda é lá que se produz o conhecimento
acadêmico que gera patentes e inovações, tecnológicas ou não. É
lá que se formam as imprescindíveis equipes multidisciplinares
responsáveis por grandes revoluções. É lá que se cria
consciência filosófica e científica, a qual perpassa todas as
áreas de conhecimento. A teoria da computação (uma disciplina
normalmente ministrada apenas nos cursos de Ciência da Computação)
é um belo exemplo de cientificidade lógico-matemática que
fundamenta a computação e levanta questionamentos a seu respeito.
Obviamente esse conhecimento pode ser dispensado pela maioria dos
profissionais do ramo, sem consequência para a execução da
atividade. Mas é esse conhecimento que vai determinar se você
possui uma visão de cima da área ou apenas um pedreiro tecnológico.
O
segundo ponto de atenção é referente à ideia que as pessoas em
geral (inclusive profissionais do ramo) tem da área. Há vários
pensamentos errôneos: qualquer um acha que pode ler uma revistinha e
se considerar um expert
no assunto1;
outros acreditam que um profissional deve saber tudo a respeito,
esquecendo-se que em outras áreas, como a médica, por exemplo, há
várias especialidades, e um médico nunca diagnostica sobre uma
especialidade que não a sua; e há finalmente os que pensam que
aqueles que trabalham com computação devem saber lidar com todos os
dispositivos eletrônicos que existem. Retomando o exemplo do
parágrafo anterior, há que se distinguir entre o projetista e o
executor. Um engenheiro civil projeta estruturas, não levanta
paredes. O engenheiro mecânico não tem que consertar máquinas.
Para isso há o técnico. No caso da Computação, esse papel se
confunde. Na maioria das vezes o arquiteto é o mesmo desenvolvedor,
o projetista é o próprio implementador, contribuindo para enevoar o
limite entre esses papeis.
Como
técnico em informática e cientista da computação, segue meu recado
para garotos que acham que desenvolver aplicativos para smartphones
os confere autoridade para ditar rumos da computação: conheça a
transformada de Fourier, entenda a importância do Teorema de Bayes,
estude álgebra booleana, aprenda lógica de predicados, explore
pilhas de protocolos de rede e transmissão de sinais em diversos
meios, descubra o design
por trás dos sistemas operacionais, tome conhecimento dos paradigmas
de linguagens de programação e arquiteturas de desenvolvimento,
passeie pelos vários temas da inteligência artificial, desvende os
espaços vetoriais, dê uma boa olhada em matemática discreta, veja
as transformações lineares, inteire-se sobre complexidade
algorítmica e teoria da computabilidade, leia sobre Máquina de
Turing e o modelo computacional de Von Neumann e diminua um pouco sua
ignorância.
1Isso
não invalida o fato de pessoas aprenderem computação sozinhas e
tornarem-se muito boas no que fazem.
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