A maioria dos estudantes não percebe que as matérias que estudam são um preparo, e não um meio de preencher o tempo
Quem já estudou na vida ao menos uma
vez ouviu a seguinte pergunta: “pra que eu tenho que aprender
isso?”. Um bom rebote seria: “pra que você aprendeu a andar?”.
Discordo em muitos pontos da educação
brasileira. Mas a motivação dos estudantes quando fazem essa
pergunta seguramente não é insatisfação pelo modelo de ensino a
que estão submetidos. É apenas a busca de um pretexto para não
estudar. Concordo que nossas escolas são em geral desmotivadoras,
mas a escola não pode fazer tudo pelo aluno. Primeiro de tudo, a
responsabilidade pela educação (em seu sentido mais abrangente) é
dos pais. A escola ajuda (e muito), mas ela não pode pegar na mão
de ninguém e fazê-lo andar se não quiser. Querer aprender depende
de cada um.
Pra que você aprendeu a andar? Havia
necessidade para isso? O que você tinha em mente? Tinha planos?
Claro que não. Até mesmo pela idade que você tinha naquela época.
Mas a questão que quero mostrar é: nem sempre você faz coisas com
um objetivo específico. Muitas vezes você aprende algo e só vai
usá-lo anos à frente. O objetivo da escola, nesse ponto, é muni-lo
de uma bagagem abrangente o suficiente para que você decida por onde
seguir. Afinal, como decidir seu rumo se não conhece os caminhos?
Você ainda deveria estar feliz, pois
aqui no Brasil o generalismo dura apenas até o ensino médio. Nas
faculdades americanas, você passa os primeiros períodos estudando
as disciplinas básicas de todos os cursos. Legal, né? Já imaginou
alguém que quer ser historiador estudando Cálculo1? Ou
algum físico estudando Sociologia? Esse modelo é bastante
interessante, pois permite a interdisciplinaridade (conjunção de
áreas distintas de conhecimento). É praticamente impossível, hoje
em dia, desenvolver qualquer coisa com o conhecimento de apenas uma
área. Imagine qualquer aparelho de imageamento médico (ultrassom,
ressonância magnética). O time de criação dessas máquinas é
composto por engenheiros, físicos, médicos, dentre outros. Para
vislumbrar a aplicação de uma descoberta, é ncessário ter um
certo conhecimento de outras áreas para poder perceber onde ela pode
ser utilizada.
Há um caso particularmente
interessante a esse respeito. Quando Steve Jobs (um dos fundadores e
principal responsável pelo sucesso da Apple – uma das maiores e
mais importantes empresas do mundo) era jovem, estudou caligrafia na
universidade. Era um curso totalmente desprovido de senso prático.
Era apenas artístico. Como ele mesmo afirmou, não teria nenhuma
aplicação em sua vida. Mas dez anos mais tarde, quando projetava
(juntamente com Steve Wozniak) o primeiro computador pessoal da
história, ele utilizou esses conhecimentos para implementar o design
das fontes que todos nós conhecemos hoje. Como ele mesmo questionou,
como seria a interface dos computadores pessoais hoje caso ele não
tivesse feito esse curso?
Exemplos como esse existem aos montes.
Desde o telefone e o computador, que à época muitas pessoas
(incluindo Graham Bell, o inventor oficial do telefone) duvidaram que
alguém os utilizaria um dia, até o laser. A princípio, o laser era
apenas um feixe de luz que se propagava em uma única direção (a
luz sempre se propaga em linha reta, mas em várias direções). Era
meramente um invento científico. Hoje em dia, ele é utilizado para
realização de cirurgias, leitura de superfícies ópticas ou
códigos de barras, telecomunicações, ou simplesmente para apontar
notas num quadro branco.
Mas talvez um dos casos mais
emblemáticos seja o do músico alagoano Nelson da Rabeca. Criado no
roçado, viveu alheio às modernidades e artes do mundo. Aos 54 anos,
viu na cidade uma pessoa tocando violino. Pensou: “vou fazer um
desse pra mim”. Mesmo sem nunca haver estudado instrumentação ou
música, conseguiu construir a rabeca (violino rústico) e hoje é um
dos principais luthiers2
do Brasil, no que se refere a
esse instrumento. Também toca esse instrumento e faz composições
junto com a esposa, que as interpreta. Ora, se Nelson
da Rabeca tivesse a oportunidade de, quando jovem, estudar música,
quanto mais ele não poderia ter contribuído? Quantos “mozarts”
ou “einsteins” não
estamos perdendo nesse Brasil
ignorante?
Realmente,
talvez a maioria do que você estuda hoje não lhe sirva. Mas, se
servir, não terá valido a pena a semeadura que foi feita? Há
uma frase muito boa que diz: “sorte é quando a oportunidade
encontra o preparo”. Pense
nisso.
1Uma disciplina que estuda o
cálculo diferencial e integral idealizado por Newton
2Pessoa
que fabrica e/ou repara
instrumentos musicais