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sexta-feira, 1 de junho de 2012

Os meios de comunicação e nós*

Nossas relações pessoais são afetadas pelos meios de comunicação. Até que ponto iremos?


Na pacatez das cidades de outrora todos se conheciam. A vida privada inexistia, sendo o viver de cada um público. Era sabido onde cada qual morava, e não raras vezes os vizinhos se acercavam, visitavam-se, metiam-se porta adentro. Comiam juntos, bebericavam, passavam horas no alpendre a parolar. Dias tranquilos...

Mas a modernidade sempre vem, e traz consigo suas invenções. Assim veio o telefone, grande, respeitoso, conferindo sobriedade aos donos ilustres. Agora o ir e vir era substituído pelo discar. Os que não possuíam o aparato novíssimo pediam auxílio aos detentores. Crescia a distância e os pés principiavam a descansar. Os endereços olvidavam-se, sendo lembrados apenas nas visitas indispensáveis – nascimento, morte, matrimônio, aniversário.

Mas o tempo sempre corre, e mostra mais de suas novidades. O aparelho imenso, pesado, imponente de outrora, miniaturiza-se, apequena-se. Seu dono agora o carrega consigo, tornando-se independente de lugar. Desmaterializa-se, figura incorpórea. O lar, onde quase já não se ouve o tilintar do aparelho, torna-se cada vez mais sagrado. Pode-se adentrar ali apenas depois de custosa autorização. O número mágico que permite que as vozes de longe irrompam no silêncio, antes divulgado, agora reserva-se aos chegados. Se algum desconhecido o utiliza, é acuado com a indagação de onde conseguiu o número.

Roda o mundo, nova geração de maquininhas e novidades do novo século. Agora a voz torna-se dispensável. As frases são transportadas para um teclado mudo, frio, lidas em uma tela de monitor idem. As céleres conversas entre amigos são desaceleradas pelo movimentar de dedos nervosos e por mensagens que cruzam distâncias, indo depositar-se em lugares que não existem em nosso mundo, mas em outro. Parodiando a mágica das cartas de correspondência, agora temos caixas de correio que nunca envelhecem e dificilmente abarrotam. O novo endereço, em novo formato, agora é distribuído a todos, amigos e desconhecidos, próximos e afastados. Torna-se fácil falar com o distante do outro lado do mundo. Até que...

O novo torna-se velho, e assim o aparelhinho que cabe no bolso e o endereço denominado eletrônico são promovidos ao desconhecimento geral. Só os antigos o conhecem. Agora é necessário muita confiança para fazê-los cientes. Melhor usar a nova forma de comunicação: mensagens instantâneas entre pessoas afastadas de qualquer distância. Melhor que manusear algo ao ouvido. Agora é possível falar assuntos diferentes com pessoas distintas. O sonho da onipresença toma novo fôlego. No afã de fazer valer nossa natureza social, congregamos amigos em um espaço apertado no canto de uma tela de monitor onde todos brigam por atenção. Necessário ter todos por perto.

A essa altura, o caminho das residências cai em total desconhecimento. É como um lugar secreto sem mapa, revelado apenas aos familiares. O mundo está perigoso e ali é o reduto da paz e do sossego que não pode ser abalado. Ao mesmo tempo em que as pessoas migram para gaiolas de concreto, passando a morar cercadas em todas as direções por outros viventes, a distância vai na contramão do espaço físico. Mais uma novidade deve surgir para remediar a situação.

Alguém tem a ideia de converter amigos em números. A invenção é tão bem-aceita que subvertem a lógica: os números suplantam o que deveriam representar. Todos correm a aumentar seus números em uma rede de relacionamentos. Agora mensagens e fotos são compartilhados por todos e tudo é exposto como frutas em feira. Pessoas esquecidas aparecem, ao passo que outras, sempre presentes, somem. Enquanto uns abraçam o novo sistema, outros o desprezam. Esse torna-se o modus operandi de conhecer pessoas. Tudo o mais – comunicadores instantâneos, número de contato, endereços físicos – vem através dele. As pessoas rcolhem-se a seus compartimentos e esquecem o mundo lá fora. 

Mas alguns, tomados pelo tom de libertinagem do novo sistema, iniciam a prática da delinquência. Os outros se assustam. Desertam. Fecham-se em seus mundos. Vão de encontro à lógica nascida para agregar pessoas. O espaço irreal passa a refletir o real – o do medo, do receio do outro que não se conhece. Um ciclo que se fecha. Fim que vira começo.

E agora, aonde iremos? Talvez voltar ao princípio. Bater na porta ao lado e descobrir um sorriso aberto. Chamar um nome e receber um abraço. Trocar o receio pela confiança. Despertar a parceria através da mão que ajuda. Abrir nossa família para receber outra, e ganhar com isso. Talvez o que precisemos não sejam aparatos tecnológicos, mas a alegria de lidar com o outro frente a frente, apertar sua mão e convidá-lo a nossas vidas. Dar lugar à natureza gregária que nos manteve vivos até aqui e construir um futuro em que nossos relacionamentos não sejam moldados por invenções, mas que estas apenas reflitam nossas – oxalá eternas – intenções de camaradagem.


*Crônica finalista do concurso de talentos da Petrobras

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