A atual onda de eufemismos não passa de mascaramento para destratos que permanecem intocados
Eufemismos sempre existiram. É uma
interessante figura de linguagem. Amenizam o sentido de certos
dizeres que de outro modo seriam inapropriados em determinada
circunstância. Mas temos visto nos últimos anos uma explosão de
eufemismos. Um verdadeiro abuso, na verdade. São eufemismos de todos
os tipos, muitos deles inúteis, outros equivocados e tantos sem
razão de ser.
Antigamente a mulher contratada para
fazer as vezes de dona-de-casa era chamada empregada doméstica.
Acharam um absurdo o termo. Passaram a chamá-la diarista (embora
semanticamente esses dois termos não sejam a mesma coisa). Não
satisfeitos, promoveram-na a secretária. Não perceberam, no
entanto, que, na ânsia de serem politicamente corretos, de fazerem
justiça vocabular, incorreram num caso clássico de lençol curto:
deram um benemérito a uma classe em detrimento de outra. A antiga
empregada doméstica foi alçada ao posto de secretária, coisa para
a qual até curso superior há hoje em dia. Mais: até três línguas
se exige. “Rebaixaram” uma classe que busca se especializar cada
vez mais apenas por um capricho linguístico. Sim, ninguém me diga
que com isso estão fazendo justiça. Reconhecimento de verdade é
pagar salário justo, direitos, tratar com respeito, e não mudar um
nome e acreditar que isso resolveu todos os problemas. Em vez de
promover moralmente uma classe, “rebaixaram” profissionalmente
outra.
Mas o ponto alto do abuso de
eufemismos é o mundo corporativo. Ali nada se diz como de fato é.
Na verdade, as empresas atuais criaram seu próprio jargão, assim
como a classe médica (onde doença é patologia, dosagem é
posologia) e as pessoas da lei (contestar é impugnar, negar é
indeferir). Quem antes era empregado, já foi um dia funcionário,
passou por colaborador e agora já é associado. Ora, você se
associa a um clube, a um grupo de interesses afins. Na empresa você
trabalha, não comunga de amenidades. Mais uma vez um nome que não
condiz com o tratamento dispensado a quem se refere.
O arcaico professor, antigo instrutor,
agora é o facilitador. Hoje ninguém faz curso. Faz solução
educacional. E ele não tem custo. Agora é investimento. A profusão
é enorme, e para quê? Um nome é
apenas um nome. As atitudes é
que vão determinar o que se traduz por eles. Essa atitude me lembra uma fábula de Esopo.
O Cavalo e o Palafreneiro
(Esopo)
Ao
palafreneiro1
que lhe roubava a cevada e ao mesmo tempo o acarinhava o dia
inteiro,um cavalo declarou: - Queres mesmo que eu seja belo? Não
vendas mais a minha cevada. Assim fazem as pessoas cúpidas2:
procuram seduzir os pobres com propostas insinuantes e bajulação,
enquanto os priva do necessário.
1Indivíduo
que cuida de animais em cavalarias
2Que
demonstra cobiça material
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