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quarta-feira, 27 de junho de 2012

"Pra que eu tenho que aprender isso?"

A maioria dos estudantes não percebe que as matérias que estudam são um preparo, e não um meio de preencher o tempo

Quem já estudou na vida ao menos uma vez ouviu a seguinte pergunta: “pra que eu tenho que aprender isso?”. Um bom rebote seria: “pra que você aprendeu a andar?”.

Discordo em muitos pontos da educação brasileira. Mas a motivação dos estudantes quando fazem essa pergunta seguramente não é insatisfação pelo modelo de ensino a que estão submetidos. É apenas a busca de um pretexto para não estudar. Concordo que nossas escolas são em geral desmotivadoras, mas a escola não pode fazer tudo pelo aluno. Primeiro de tudo, a responsabilidade pela educação (em seu sentido mais abrangente) é dos pais. A escola ajuda (e muito), mas ela não pode pegar na mão de ninguém e fazê-lo andar se não quiser. Querer aprender depende de cada um.

Pra que você aprendeu a andar? Havia necessidade para isso? O que você tinha em mente? Tinha planos? Claro que não. Até mesmo pela idade que você tinha naquela época. Mas a questão que quero mostrar é: nem sempre você faz coisas com um objetivo específico. Muitas vezes você aprende algo e só vai usá-lo anos à frente. O objetivo da escola, nesse ponto, é muni-lo de uma bagagem abrangente o suficiente para que você decida por onde seguir. Afinal, como decidir seu rumo se não conhece os caminhos?

Você ainda deveria estar feliz, pois aqui no Brasil o generalismo dura apenas até o ensino médio. Nas faculdades americanas, você passa os primeiros períodos estudando as disciplinas básicas de todos os cursos. Legal, né? Já imaginou alguém que quer ser historiador estudando Cálculo1? Ou algum físico estudando Sociologia? Esse modelo é bastante interessante, pois permite a interdisciplinaridade (conjunção de áreas distintas de conhecimento). É praticamente impossível, hoje em dia, desenvolver qualquer coisa com o conhecimento de apenas uma área. Imagine qualquer aparelho de imageamento médico (ultrassom, ressonância magnética). O time de criação dessas máquinas é composto por engenheiros, físicos, médicos, dentre outros. Para vislumbrar a aplicação de uma descoberta, é ncessário ter um certo conhecimento de outras áreas para poder perceber onde ela pode ser utilizada.

Há um caso particularmente interessante a esse respeito. Quando Steve Jobs (um dos fundadores e principal responsável pelo sucesso da Apple – uma das maiores e mais importantes empresas do mundo) era jovem, estudou caligrafia na universidade. Era um curso totalmente desprovido de senso prático. Era apenas artístico. Como ele mesmo afirmou, não teria nenhuma aplicação em sua vida. Mas dez anos mais tarde, quando projetava (juntamente com Steve Wozniak) o primeiro computador pessoal da história, ele utilizou esses conhecimentos para implementar o design das fontes que todos nós conhecemos hoje. Como ele mesmo questionou, como seria a interface dos computadores pessoais hoje caso ele não tivesse feito esse curso?

Exemplos como esse existem aos montes. Desde o telefone e o computador, que à época muitas pessoas (incluindo Graham Bell, o inventor oficial do telefone) duvidaram que alguém os utilizaria um dia, até o laser. A princípio, o laser era apenas um feixe de luz que se propagava em uma única direção (a luz sempre se propaga em linha reta, mas em várias direções). Era meramente um invento científico. Hoje em dia, ele é utilizado para realização de cirurgias, leitura de superfícies ópticas ou códigos de barras, telecomunicações, ou simplesmente para apontar notas num quadro branco. 

Mas talvez um dos casos mais emblemáticos seja o do músico alagoano Nelson da Rabeca. Criado no roçado, viveu alheio às modernidades e artes do mundo. Aos 54 anos, viu na cidade uma pessoa tocando violino. Pensou: “vou fazer um desse pra mim”. Mesmo sem nunca haver estudado instrumentação ou música, conseguiu construir a rabeca (violino rústico) e hoje é um dos principais luthiers2 do Brasil, no que se refere a esse instrumento. Também toca esse instrumento e faz composições junto com a esposa, que as interpreta. Ora, se Nelson da Rabeca tivesse a oportunidade de, quando jovem, estudar música, quanto mais ele não poderia ter contribuído? Quantos “mozarts” ou “einsteins” não estamos perdendo nesse Brasil ignorante?

Realmente, talvez a maioria do que você estuda hoje não lhe sirva. Mas, se servir, não terá valido a pena a semeadura que foi feita? Há uma frase muito boa que diz: “sorte é quando a oportunidade encontra o preparo”. Pense nisso.


1Uma disciplina que estuda o cálculo diferencial e integral idealizado por Newton
2Pessoa que fabrica e/ou repara instrumentos musicais

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